A Íntima Relação entre Intestino, Comportamento, Mente e Cérebro
A conexão entre o cérebro e o intestino
O intestino determina, em grande parte, nossas emoções, estada mental e
até preferências alimentares. Da saúde do intestino depende a saúde do cérebro.
À primeira vista essas afirmações podem parecer irreais – mas não são.
Considere os seguintes fatos:
O intestino tem mais neurônios que a medula espinhal – cerca de 100
milhões – perdendo apenas para o cérebro em número de neurônios.
O intestino fabrica muito mais serotonina que o cérebro. Mais
exatamente, 95% da serotonina é fabricada e armazenada no intestino. Serotonina
é um neurotransmissor – substância química fabricada pelos neurônios e que
possui papel vital na transmissão e processamento das informações e estímulos
sensoriais através dos neurônios.
O equilíbrio da serotonina determina, em última análise, o “fundo
musical” dos nossos pensamentos. Dependendo do fundo musical, uma mesma cena
(pensamento) pode ser interpretada como alegre, triste, pavorosa, engraçada,
neutra, relaxante ou aterrorizante.
Além da serotonina, o intestino fabrica e utiliza mais de 30
neurotransmissores – substâncias envolvidas na transmissão e processamento das
informações pelos neurônios, tanto do intestino quanto do cérebro. Todos esses
neurônios e neurotransmissores são necessários para a complexa função que é a passagem
dos alimentos pelo intestino – a chamada digestão.
O processo de digestão envolve, entre outras coisas, o monitoramento da
pressão exercida pelo alimento na parede do intestino a cada momento; o
movimento coordenado desse alimento ao longo do intestino; o progresso do
processo digestivo; a concentração de sal, nutrientes, acidez, alcalinidade –
tudo isso sem ajuda do cérebro.
Ao mesmo tempo, esses mesmos neurônios e neurotransmissores, em conjunto
com os do cérebro, fazem parte da rede neural responsável pela conexão entre o
bem-estar emocional e o bem-estar físico.
E também, é claro, o mal-estar.
Neurotransmissores como a serotonina conectam o que acontece no cérebro
com o que acontece no intestino e vice-versa.
A quase totalidade de quem sofre de doenças crônicas envolvendo o
cérebro, como por exemplo depressão, pânico, ansiedade, enxaqueca, autismo,
esquizofrenia etc, sofre também de problemas no sistema digestivo em maior ou
menor grau, como constipação intestinal (intestino preso), síndrome do intestino
irritável (alternância entre períodos com intestino muito solto e períodos com
intestino preso), cinetose (enjôo fácil quando em movimento, por exemplo, numa
simples viagem de carro ou ônibus), colite, doença de Crohn (tipo especial e
potencialmente grave de inflamação no intestino), e todo tipo de má digestão e
intolerâncias alimentares.
Emoções extremamente fortes podem causar desde “frio no estômago” até
diarreia e/ou vômitos. Quantos de nós não lembramos de pelo menos um dia muito
importante, na infância ou adolescência – pode ter sido uma viagem muito
esperada, um prêmio muito antecipado, um final decisivo de torneio ou
competição, ou até uma prova escolar – onde, justamente naquele dia, aconteceu
uma diarreia e/ou vômito “inexplicável”?
Situações de stress podem também provocar um aumento da
permeabilidade do intestino, resultando na absorção de “pedaços” maiores,
incompletamente digeridos, de material digestivo, os quais, uma vez na
circulação sanguínea, não são reconhecidos pelo organismo como nutrientes a
serem aproveitados, mas sim como corpos estranhos a serem atacados pelo sistema
imunológico, provocando reação com produção de anticorpos – uma reação inútil
que apenas serve para criar todo um estado inflamatório no nosso corpo e
cérebro, o que predispõe a uma série de doenças. Isso além de diminuir o “gás”
de nosso sistema imunológico para combater os vírus e bactérias causadores de
doenças que realmente importam, e predispondo, em consequência, a toda sorte de
infecções.
Alimentos ásperos de impossível digestão – inclusive muitas das tão
festejadas “fibras” – podem causar irritação e dano às delicadíssimas células
epiteliais que recobrem o intestino, resultando em aumento da permeabilidade do
intestino com as mesmas consequências do parágrafo anterior.
Você já se perguntou como os “chás emagrecedores” funcionam? Eles agem
provocando irritação no intestino, o que resulta em digestão incompleta,
absorção incompleta, aumento da velocidade do “trânsito intestinal” e
eliminação mais rápida de alimentos que poderiam ter sido muito melhor
digeridos – não sem que alguns desses “pedaços” tenham sido indevidamente
absorvidos, provocando – mais uma vez – um estado inflamatório em todo nosso
organismo.
A essa altura você já deve ter compreendido que o mesmo processo vale
para quem faz uso muito frequente de laxantes – naturais ou não.
E inflamação inútil é exatamente o que não precisamos. As mais variadas
doenças são causadas e/ou “turbinadas” por processos inflamatórios. Não apenas
doenças acompanhadas de dor – como enxaqueca, cólicas menstruais, tendinites,
fibromialgia e muitas outras “ias”, “ites” e dores que existem no universo –
mas também doenças que não envolvem dor física porém envolvem processos
inflamatórios, como esclerose múltipla, esquizofrenia, autismo, entre uma série
de problemas de ordem cerebral, mental e comportamental.
Cada vez mais, a ciência vem percebendo que por trás de todas as doenças
existe um componente inflamatório.
Tais reações de anticorpos contra “pedaços” mal digeridos de nutrientes
pode ter consequências ainda mais desastrosas, na eventualidade de um desses
“pedaços” ser confundido, pelo sistema imunológico, como sendo uma parte do
corpo. Nesse caso, anticorpos começam a atacar estruturas do próprio corpo (por
exemplo da glândula tireoide, cérebro, articulações ou qualquer outro órgão ou
tecido), simplesmente por confundirem essas estruturas pertencentes ao nosso
organismo com a estrutura química tridimensional de algum desses “pedaços” de
material digestivo presentes, indevidamente, na circulação.
Essa confusão e ataque a estruturas do nosso próprio corpo por parte dos
anticorpos recebe o nome de autoimunidade.
Doenças autoimunes são aquelas que resultam do ataque a órgãos e tecidos
do corpo pelos nossos próprios anticorpos. Alguns exemplos de doenças
autoimunes são doença celíaca, diabetes do tipo I, tireoidite de Hashimoto,
artrite reumatóide e doenças cerebrais como esclerose múltipla.
Até mesmo doença de Parkinson (Nature Communications 5, artigo número:
3633, publicado em 16 de abril de 2014), autismo (Molecular Psychiatry
18:1171-1177, Nov 2013), e transtorno obsessivo-compulsivo
(http://www.health.harvard.edu/blog/can-an-infection-suddenly-cause-ocd-201202274417)
passaram a fazer parte da lista de suspeitos de possível fundo autoimune.
Podemos também olhar a conexão intestino-cérebro por outro ângulo: uma
criança (ou adolescente, ou adulto) não come bem, vive à base de “produtos
alimentícios” industrializados, refinados, desvitalizados, pobres em nutrientes
e que até prejudicam, de uma forma ou de outra, a integridade do intestino e
absorção de nutrientes necessários para o bom funcionamento do cérebro. Com o
tempo, isso causa prejuízo das funções mentais mais sofisticadas, como memória,
atenção, concentração e humor. Isso, por sua vez, leva a um aumento do stress,
que como vimos acima, resulta num prejuízo ainda maior da função de absorção de
nutrientes pelo intestino, criando um ciclo vicioso que inevitavelmente resulta
em doenças e piora do estado mental e comportamental.
Qual a doença, ou qual a manifestação indesejável do estado mental e/ou
comportamento que uma pessoa poderá ou não apresentar, dependerá das
predisposições genéticas que essa pessoa possui.
Esse ciclo vicioso somente pode ser quebrado através do conhecimento que
você começa a adquirir ao ler este artigo. Afinal, somente o conhecimento pode
levar a mudanças-chave no estilo de vida.
Você ou suas crianças têm “alimentação rica em fibras”? À luz do que foi
discutido, isso pode não ser tão bom quanto se imagina. Tudo depende das fibras
utilizadas. O termo “fibras” pode incluir elementos que, mesmo moídos,
esfarelados, cozidos e mastigados, continuam “duros”, “pontudos”, “cortantes” e
agressivos para a delicada camada celular que compõe as vilosidades e criptas
microscópicas do nosso intestino, causando má absorção, aumento da
permeabilidade, e todas as possíveis consequências.
Você cozinha seus alimentos o quanto mais depressa, na panela de
pressão, para economizar tempo e conta de luz/gás? Lembre-se que o cozimento
lento (por mais tempo, no fogo baixo) ajuda a pré digerir os alimentos, de modo
a tornar o processo digestivo menos agressivo e menos oneroso para nosso
intestino, otimizando a absorção de nutrientes e preservando a integridade do
tecido epitelial intestinal.
Deixar grãos de molho por 24 horas (feijão, arroz integral, lentilhas,
grão-de-bico, etc) antes de cozinhá-los lentamente é uma maneira excelente de
aumentar a digestibilidade desses grãos, e minimizar a agressividade deles para
com nosso intestino. Nossos antepassados da era pré-alimentos-industrializados
sempre faziam isso. Ah, e também deixavam o pão fermentar naturalmente por
muitas horas, o que melhora a digestibilidade do trigo.
Hoje vivemos num mundo com cada vez menos tempo para cozinhar, porém
cada vez mais doente. Colite, enxaqueca, depressão, pânico, intestino
irritável, comportamento agressivo, autismo, distúrbio bipolar e doenças
autoimunes estão cada vez mais frequentes, segundo as estatísticas.
Conclusão: para existir saúde plena, o intestino tem que funcionar bem.
Claro que não pude falar tudo, neste único artigo, sobre a conexão entre
o intestino e o cérebro. Foi apenas uma pincelada.
E de tudo que ainda não falei (mas que abordo ou abordarei em outros
artigos), faltou mencionar as bactérias que povoam nosso intestino. Elas
determinam nossa saúde – não apenas a saúde do próprio intestino, a boa
absorção de nutrientes e a formação ideal de fezes (portanto não me pergunte,
nos comentários, “como eu faço com meu intestino preso se eu não comer fibras”,
pois isso dependerá das bactérias sobre as quais ainda não conversamos), mas
também a imunidade (a ponto que não conseguiríamos viver sem essas bactérias!)
e, mais uma vez, o cérebro, a mente e o comportamento.
Mas sobre tudo isso, falarei em outro artigo.
04/06/2014 Por Dr. Alexandre Feldman · (Última Atualização: 08/11/2014)
Um comentário:
Excelente artigo! Sou celíaca e alergica ao trigo no ar, vim procurar uma conexão com a espiritualidade.
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